1. INTRODUÇÃO:
A Lei 14.193/2021, em seu artigo 1º definiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) como “a companhia cuja atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e masculino, em competição profissional, sujeita às regras específicas da referida Lei e, subsidiariamente, às disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998”.
O objeto social da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), deverá, necessariamente, ser vinculado ao futebol, podendo compreender (i) o fomento e o desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática do futebol, obrigatoriamente nas suas modalidades feminino e masculino; (ii) a formação de atleta profissional de futebol, nas modalidades feminino e masculino, e a obtenção de receitas decorrentes da transação dos seus direitos desportivos; (iii) a exploração, sob qualquer forma, dos direitos de propriedade intelectual de sua titularidade ou dos quais seja cessionária, incluídos os cedidos pelo clube ou pessoa jurídica original que a constituiu; (iv) a exploração de direitos de propriedade intelectual de terceiros, relacionados ao futebol; (v) a exploração econômica de ativos, inclusive imobiliários, sobre os quais detenha direitos; (vi) quaisquer outras atividades conexas ao futebol e ao patrimônio da SAF, incluída a organização de espetáculos esportivos, sociais ou culturais; (vii) a participação em outra sociedade, como sócio ou acionista, no território nacional, cujo objeto seja uma ou mais das atividades mencionadas anteriormente, com exceção à formação de atletas.
Nesse passo, importante destacar que o § 4º, do artigo 1º da Lei 14.193/2021, estabelece que a SAF será considerada uma entidade de prática desportiva, para os efeitos da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, aplicando-se, assim, todo regramento geral da Lei Pelé, que não previsto ou não seja contrário a essa nova legislação específica.
A Sociedade Anônima do Futebol poderá ser constituída (i) pela transformação do clube ou pessoa jurídica original em SAF; (ii) pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol; (iii) pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.
A justificativa para aprovação da Lei da SAF, nas palavras do Senador Rodrigo Pacheco, durante o processo legislativo, foi a de “transformar a realidade do futebol no Brasil, afigurando-se necessário oferecer aos clubes uma via societária que legitime a criação desse novo sistema, formador de um também novo ambiente, no qual as organizações que atuem na atividade futebolística, de um lado, inspirem maior confiança, credibilidade e segurança, a fim de melhorar sua posição no mercado e seu relacionamento com terceiros, e, de outro, preservem aspectos culturais e sociais peculiares ao futebol”.
Alguns grandes clubes brasileiros já adotaram esse modelo societário, especialmente através da cisão do departamento de futebol do clube associativo, com a transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol, à uma recém constituída Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
Tal tipo societário trouxe uma realidade, até então desconhecida, para o futebol nacional, de abastados empresários passarem a ser donos de tradicionais clubes brasileiros, realizando aportes e investimentos bilionários, pelo controle acionário da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) relacionada àquela entidade de prática esportiva.
Em suma, a Lei 14.193/2021, criando e regulamentando o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), bem como trazendo normas de governança, controle, transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico, poderá, de fato, promover uma real profissionalização da atividade desportiva profissional futebolística.
Além das referidas normas de governança, controle, transparência, meios de financiamento, tratamento de passivos e regime tributário específico a nova Lei 14.193/2021 traz regras que afetam diretamente os créditos de empregados e ex-empregados, em especial - mas não apenas – daqueles atrelados ao departamento de futebol.
Dentre as matérias trabalhistas expressamente previstas pela Lei 14.193/2021 estão as regras que versam sobre sucessão de empregadores; responsabilidade pessoal e solidária dos administradores; regime centralizado de execuções; responsabilidade subsidiária da SAF às dívidas cíveis e trabalhistas anteriores à sua constituição e fomento ao desenvolvimento do futebol profissional feminino.
Mas não é só, a Lei 14.193/2021, além de prever e criar relevantes questões trabalhistas, já vem gerando polêmicas, questionamentos doutrinários e, até mesmo, demandas judiciais trabalhistas. Algumas delas serão tratadas, analisadas e estudadas ao longo do presente trabalho.
2. SUCESSÃO DE EMPREGADORES:
Conforme já discorrido anteriormente, a Sociedade Anônima de Futebol pode ser constituída (i) pela transformação do clube ou pessoa jurídica original em SAF; (ii) pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol e (iii) pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.
A Lei 14.193/2021 estabelece que, nas hipóteses da transformação da associação desportiva em SAF ou mediante cisão do departamento de futebol opera-se, obrigatoriamente, a sucessão entre clube e a SAF.
Assim, o legislador estabeleceu que nas hipóteses de criação de SAF por transformação da associação em companhia ou pela cisão do departamento de futebol, a sociedade anônima sucede o clube nos contratos de trabalho existentes na data da criação da SAF, bem como nos contratos de cessão de uso imagem, marcas e outros vinculados aos atletas profissionais de futebol. Em outras palavras, nos contratos de trabalho existentes na data da criação da SAF , esta passa a figurar como empregador, no lugar do clube.
O parágrafo único do artigo 9º da Lei 14.193/2021 é expresso em estabelecer com relação às dívidas trabalhistas do clube sucedido a SAF responde àquelas relacionadas aos atletas, membros da comissão técnica e funcionários cuja atividade principal seja vinculada diretamente ao departamento de futebol.
Conforme bem observado por Ulisses Taveira e Vinícius Taveira a previsão, constante no referido parágrafo único do artigo 9º da Lei 14.193/2021 na Lei da SAF, gera dúvidas acerca dos débitos referentes a trabalhadores que não atuavam exclusivamente voltados ao departamento de futebol profissional do clube, como, por exemplo, profissionais de limpeza e do setor administrativo.
Tal questão, certamente, será objeto, ainda, de extensos debates acadêmicos, doutrinários e jurisprudenciais.
O legislador foi expresso em prever que “com relação à dívida trabalhista, integram o rol dos credores os atletas, membros da comissão técnica e funcionários cuja atividade principal seja vinculada diretamente ao departamento de futebol”.
Ao utilizar a expressão “vinculada diretamente ao departamento de futebol”, pode-se entender que quis o legislador excluir as atividades-meio que orbitam o departamento de futebol, aplicando a sucessão trabalhista imediata apenas àqueles que atuam em atividades especificamente atreladas ao futebol.
Contudo, a Lei 14.193/2021 é obscura na definição da extensão das atividades atreladas diretamente ao departamento de futebol.
Na linha de raciocínio de que o legislador quis excluir as funções não relacionadas à atividade-fim do departamento de futebol, parece razoável o entendimento de que profissionais de limpeza de vestiários, motoristas, cortadores de grama, porteiros e seguranças não estariam protegidos pelo instituto da sucessão de empregadores prevista na Lei da SAF.
No entanto, tal entendimento pode trazer um elastecimento um tanto amplo demais, abarcando profissionais atrelados ao departamento administrativo, financeiro, marketing, mídias sociais, recursos humanos, o que não parece ter sido a ideia do legislador.
A interpretação que parece mais acertada é que a Lei, expressamente, utiliza o termo departamento de futebol e não atividades futebolísticas. Assim, caso o legislador pretendesse limitar a sucessão apenas àqueles que realizassem atividades futebolísticas, incluiria no dispositivo legal, apenas os atletas e membros da comissão técnica, o que não ocorreu.
O parágrafo único do artigo 9º da Lei 14.193/2021, ao definir no rol de credores trabalhistas os “funcionários cuja atividade principal seja vinculada diretamente ao departamento de futebol”, evidencia que se a atividade do empregado estava relacionada, diretamente, ao departamento de futebol do clube, seu contrato de trabalho ou seus créditos serão protegidos pelo instituto da sucessão.
Tais situações só poderão ser definidas, no caso concreto, mediante a análise do trabalho exercido e com a comprovação da relação das tarefas com a atividade do departamento de futebol profissional.
O que se tem percebido com a constituição das primeiras Sociedades Anônimas de Futebol e a venda de seus ativos para investidores, pessoas físicas ou jurídicas, é que faz-se necessário um mapeamento bastante rigoroso dos ativos e passivos do clube, um enxugamento da folha salarial, especialmente do departamento de futebol, para, não só atrair o interesse de capital, mas dar viabilidade à SAF.
Há um caso concreto pioneiro no futebol nacional que revela como o planejamento, preparação e organização prévio da entidade associativa podem atrair rapidamente um grande investidor, facilitando a transição entre modelos, bem como a imediata evolução da parte de governança, contratações, atração de patrocinadores, credibilidade no mercado.
O Botafogo de Futebol de Regatas preparou-se, por mais de 3 (três) anos, para a transferência de sua atividade de futebol profissional para uma Sociedade Anônima de Futebol, com a consequente cessão dos ativos dessa última para um investidor estrangeiro, tendo inclusive, contratado um CEO, experimentado profissional do mercado corporativo, com resultados bastante consideráveis em planejamento estratégico, criação de novos negócios e recuperação de empresas, que durante o ano de 2021 preparou todo o terreno, aparou todas as arestas possíveis, para a cisão e venda do departamento de futebol do clube.
A organização prévia e a presença de profissionais capacitados focados nesse objetivo, possibilitaram, ainda, um contrato com o investidor, prevendo garantias não só de investimentos, mas de rendimento esportivo, o que já vem sendo vislumbrado pelas contratações realizadas pelo novo investidor.
Por outro lado o Cruzeiro Esporte Clube constituiu uma Sociedade Anônima do Futebol, sem tanto planejamento, com aprovação em assembleia geral de sócios, sem um projeto muito detalhado, sem um mapeamento rigoroso de ativos e passivos, sem um enxugamento do departamento de futebol.
O clube mineiro conseguiu um investidor movido muito mais pela paixão, do que pelo projeto e a ausência de uma gestão profissional por parte da entidade associativa permitiu a celebração de um contrato que gerou insatisfação de alguns conselheiros e do próprio investidor, o que vem gerando problemas para a continuidade do negócio.
Retornando à seara da sucessão trabalhista, cumpre frisar que as dívidas trabalhistas anteriores à constituição da SAF, que não estejam relacionadas ao departamento de futebol, em regra, não se tornam automaticamente de responsabilidade da SAF, como expressamente estabelecido no caput do artigo 9º da Lei 14.193/2021. A responsabilização da SAF, contudo, poderá ocorrer, caso comprovada fraude (artigos 9º e 448-A, parágrafo único, da CLT) ou se estabelecida no próprio estatuto ou contratualmente entre o clube e a SAF.
Provavelmente muitas situações ainda passarão pela análise judicial do caso concreto, especialmente para definição acerca da atividade exercida, inserção ou não no departamento de futebol profissional e a existência ou não de fraude.
Cumpre esclarecer, nesse ponto, que, mesmo para as dívidas decorrentes diretamente do departamento de futebol da entidade associativa, não há uma automática e imediata responsabilidade solidária pelas dívidas trabalhistas pretéritas do antigo clube.
O pagamento das dívidas pretéritas da entidade associativa, pela SAF, limitar-se-á à forma estabelecida no artigo 10º da Lei 14.193/2021.
O artigo 10º da nova Lei da SAF dispõe que o clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente: (i) por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores e mediante pagamento por intermédio de Regime Centralizado de Execuções; (ii) por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida da entidade associativa originária, na condição de acionista.
Vale notar que o caput do artigo 10º da Lei 14.193/2021 é claro ao estabelecer que “o clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol”.
Fica evidente, portanto, que as únicas obrigações iniciais de pagamento da SAF, no que toca às dívidas anteriores à sua constituição, são: a) transferir ao clube original 20% das receitas mensais correntes auferidas pela SAF, conforme plano aprovado pelos credores e; b) destinar 50% dos dividendos, juros sobre capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista. Ou seja, inicialmente, a obrigação da SAF é somente indireta com os credores trabalhistas pretéritos à sua constituição. A SAF, nos termos da lei, somente transferirá valores ao clube original, este sim responsável direto pelas dívidas pretéritas.
Enquanto a Sociedade Anônima do Futebol cumprir com os pagamentos, na forma prevista no artigo 10º da Lei 14.193/2021, é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas, por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie sobre as suas receitas, com relação às obrigações anteriores à sua constituição.
Assim, enquanto a SAF cumprir suas obrigações de pagamento ao clube original, na forma do citado artigo 10º da Lei 14.193/2021, não há como nenhum credor exigir valores da SAF, nem demandar diretamente contra esta, tampouco tentar penhorar seu patrimônio ou receitas.
Parece evidente, portanto, que uma vez descumprida tal obrigação legal, responderá a SAF pelas obrigações pretéritas à sua fundação.
Vale destacar que os administradores da Sociedade Anônima do Futebol respondem pessoal e solidariamente pelas obrigações relativas aos repasses financeiros definidos no art. 10 da Lei 14.193/2021, assim como respondem, pessoal e solidariamente, o presidente do clube ou os sócios administradores da associação desportiva original pelo pagamento aos credores dos valores que forem transferidos pela Sociedade Anônima do Futebol.
A Lei 14.193/2021 é recente, mas já vem gerando diversos debates doutrinários acerca de situações fáticas observadas em clubes que começaram a adotar o modelo previsto na nova legislação.
Uma delas envolve a continuidade dos contratos de trabalho dos jogadores profissionais. Sabe-se que muitos clubes de futebol mantém débitos pretéritos com seu elenco de futebol, tais como décimos terceiros em aberto, férias não quitadas corretamente, alguns meses de FGTS intercalados ao longo do pacto laboral. Na hipótese da SAF assumir o contrato do jogador, com quem ficaria a responsabilidade pelas dívidas já existentes, antes da constituição da SAF?
Havendo a continuidade da prestação dos serviços do jogador, por ato de vontade da SAF, configurada estará a sucessão de empregadores, nos moldes estabelecidos nos artigos 10º e 448 da CLT, visto que preenchidos os dois elementos essenciais para sua caracterização, (i) a transferência do negócio, mesmo que provisoriamente, de um para outro titular e (ii) a não ruptura do contrato de trabalho do empregado.
O artigo 448-A da CLT estabelece que caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos artigos 10º e 448 do citado diploma legal, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.
Não há dúvidas, portanto, que a permanência da prestação de serviços do empregado à SAF, sem solução de continuidade, por ato de vontade da nova sociedade, configura a sucessão de empregadores, respondendo, nesse caso específico, a SAF, não só pelos direitos e obrigações inerentes ao contrato de trabalho em vigor, mas também às dívidas pretéritas geradas pela associação esportiva originária, por força do disposto no artigo 448-A, da CLT.
O caput e o parágrafo único do artigo 9º da Lei 14.193/2021 incorporaram à Lei Especial o disposto na Lei Geral, especialmente no que tange aos contratos de trabalho dos atletas, membros da comissão técnica e funcionários cuja atividade principal seja vinculada diretamente ao departamento de futebol.
No entanto, outras polêmicas começam a surgir por força de contratos não renovados ou rescindidos, especialmente de técnicos e jogadores, que, por algum motivo, não se encontram nos planos futuros da SAF.
Alguns medalhões e ídolos históricos dos clubes pioneiros na implementação da SAF não tiveram seus contratos renovados. Comissões técnicas foram dispensadas, por não se enquadrarem no perfil traçado pelos investidores da SAF.
A questão é: em que momento essa rescisão ou não renovação deve ocorrer, para que não haja responsabilização direta da SAF pelas verbas rescisórias ou pretéritas, referentes àquele contrato de trabalho?
O parágrafo único do artigo 9º da Lei 14.193/2021 é expresso em estabelecer que, com relação às dívidas trabalhistas do clube sucedido, a SAF responde àquelas relacionadas aos atletas, membros da comissão técnica e funcionários cuja atividade principal seja vinculada diretamente ao departamento de futebol.
Em que momento opera-se essa sucessão trabalhista?
A partir da constituição da SAF, pelo clube original?
A partir do momento em que assinado o contrato entre o investidor e o clube original, com a transferência do controle acionário da SAF, já, automaticamente, os contratos dos atletas, membros da comissão técnica e funcionários do departamento de futebol seriam assumidos, em todos os direitos e obrigações pela nova sociedade?
Esse é um ponto muito importante e talvez crucial para atração de investidores nacionais e estrangeiros, na aquisição de ativos das Sociedades Anônimas do Futebol.
No caso dos contratos de trabalho que não sejam renovados antes da constituição da SAF, já sabe-se que a nova sociedade não responderá pelas dívidas pretéritas existentes com tais jogadores, desde que cumpra suas obrigações de pagamento ao clube original, na forma do citado artigo 10º da Lei 14.193/2021.
Contudo, se a SAF já tiver sido constituída pelo clube original e somente, meses depois, for adquirida por investidor estrangeiro, que resolve não renovar contratos vencidos entre o período posterior a constituição da SAF, mas antes da aquisição do controle acionário, haverá aplicação da sucessão de empregadores, nos termos do artigo 448-A da CLT?
O parágrafo 2º, do artigo 2º, combinado com o artigo 9º da Lei 14.193/2021 não deixam dúvidas de que o marco para a transferência dos direitos e deveres decorrentes de relações contratos de trabalho é a constituição da Sociedade Anônima de Futebol.
Assim, todos os contratos que não forem rescindidos ou não renovados pelo clube original antes da constituição da SAF serão obrigatoriamente sucedidos em seus direitos e obrigações pela nova sociedade.
Daí a importância de um planejamento estratégico, tanto do clube original, quanto do investidor, no sentido de fazer uma avaliação do elenco para decisão de quais jogadores serão ou não aproveitados dentro da nova realidade, antes da constituição da SAF, evitando-se a sucessão imediata de todo um passivo pretérito e futuro desnecessário, cuja responsabilidade recairá diretamente na nova sociedade, sem o benefício da forma de pagamento estabelecida no artigo 10º da Lei 14.193/2021.
Ideal realmente é que as associações esportivas que optem pela constituição de uma Sociedade Anônima de Futebol, somente levem adiante sua criação, após a minuciosa análise, junto aos investidores, não só do elenco de jogadores, mas dos membros da comissão técnica e funcionários vinculados ao departamento de futebol, mediante a rescisão ou não renovação de contratos, em momento anterior à instauração da nova sociedade.
À medida que outros clubes implementem seus modelos de transferência do ativo futebolístico da associação original para uma Sociedade Anônima de Futebol mais situações peculiares poderão vir a acontecer, o que gerará um número maior de novas teses jurídicas, bem como uma expansão de ideias acerca desses temas polêmicos.
Caberá ao judiciário, em análise de cada caso concreto, definir a aplicação ou não do instituto da sucessão trabalhista.
3. REGIME CENTRALIZADO DE EXECUÇÕES
A Lei 14.193/21 estabelece alguns modos de quitação de obrigações por parte do clube ou pessoa jurídica original, que poderá efetuar o pagamento de suas obrigações diretamente aos seus credores, ou, a seu exclusivo critério, (i) pelo concurso de credores, por intermédio de um Regime Centralizado de Execuções; ou (ii) por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
O artigo 14 da Lei 14.193/21 permite que o clube ou pessoa jurídica original possa optar por submeter-se ao concurso de credores por meio do Regime Centralizado de Execuções, que consistirá em concentrar no juízo centralizador as execuções, as suas receitas e os valores arrecadados, na forma do art. 10 da Lei da SAF, bem como a distribuição desses valores aos credores em concurso e de forma ordenada.
Não custa relembrar que o artigo 10º da nova Lei da SAF dispõe que o clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída, exclusivamente: (i) por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol; (ii) por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida da entidade associativa originária, na condição de acionista.
Assim, fica facultado à associação esportiva originária reunir em um Juízo centralizador as execuções, suas receitas, os valores arrecadados, com a definição de um concurso de credores e as regras para quitação dos débitos. Na hipótese de inexistência de órgão de centralização de execuções no âmbito do Tribunal, o Juízo centralizador será aquele que tiver ordenado o pagamento da dívida em primeiro lugar.
O requerimento para o benefício do Regime Centralizado de Execuções deverá ser apresentado pelo clube ou pessoa jurídica original e será concedido pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, quanto às dívidas trabalhistas, e pelo Presidente do Tribunal de Justiça, quanto às dívidas de natureza civil.
Tal requerimento de centralização das execuções deverá ser acompanhado do balanço patrimonial, das demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais, das obrigações consolidadas em execução, da estimativa auditada das suas dívidas ainda em fase de conhecimento, do fluxo de caixa com sua projeção de 3 (três) anos e de um termo de compromisso de controle orçamentário.
O clube devedor originário fica obrigado, ainda, a publicar, em sítio eletrônico próprio, a ordem da fila de credores com seus respectivos valores individualizados e atualizados e os pagamentos efetuados no período.
Nos termos da Lei da SAF determinou-se que cada Tribunal Regional do Trabalho disciplinar o Regime Centralizado de Execuções, por meio de ato próprio, certo que na ausência da regulamentação regional, competirá ao Tribunal Superior respectivo suprir tal omissão.
A Lei da SAF confere o prazo de 6 (seis) anos para pagamento dos credores. Caso o clube ou pessoa jurídica original comprove a adimplência de ao menos 60% (sessenta por cento) do seu passivo original ao final do prazo de 6 (seis) anos, será permitida a prorrogação do Regime Centralizado de Execuções por mais 4 (quatro) anos, período em que o percentual sobre as receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, poderá ser reduzido pelo Juízo centralizador das execuções, a pedido do interessado, para o patamar de 15% (quinze por cento).
Não cumpridos os prazos estabelecidos na Lei para pagamento dos credores pelo clube original, a Sociedade Anônima do Futebol responderá, subsidiariamente, pelo pagamento das obrigações civis e trabalhistas anteriores à sua constituição.
Listou o legislador, no artigo 17 da Lei da SAF, a ordem preferencial de credores no Regime Centralizado de Execuções. Já parágrafo único do artigo 17 da Lei 14.193/21 prevê que na hipótese de concorrência entre os créditos, os processos mais antigos terão preferência.
Por sua vez, o artigo 18 da Lei 14.193/21 reconhece o caráter prioritário do crédito trabalhista sobre os de outras naturezas, como não poderia deixar de ser.
O artigo 19 da Lei 14.193/21 possibilita que as partes, por meio de negociação coletiva, estabeleçam plano de pagamento de forma diversa, em prevalência ao regramento legal, conforme permite o artigo 611-A da CLT, advindo da Reforma Trabalhista.
Importante destacar que a Lei da SAF faculta ao credor de dívida trabalhista ceder seu crédito a terceiro, sendo que este ficará sub-rogado em todos os direitos e em todas as obrigações do credor e ocupará a mesma posição do titular original na fila de credores, devendo ser dada ciência ao clube ou pessoa jurídica original, bem como ao Juízo centralizador da dívida para que promova a anotação.
Outra faculdade que a Lei 14.193/21 trouxe aos credores foi a de conversão, no todo ou em parte, de seu crédito em ações da Sociedade Anônima do Futebol ou em títulos por ela emitidos, desde que isso esteja previsto em seu estatuto.
O legislador também facultou ao credor (tanto de dívida trabalhista, quanto de dívida cível) anuir a deságio sobre o valor do débito.
Estabeleceu, outrossim, a Lei da SAF que a partir da centralização das execuções, as dívidas de natureza cível e trabalhista serão corrigidas somente pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), o que trouxe descontentamento aos credores, pela exclusão da incidência dos juros decorrentes da mora no pagamento.
Por fim, o artigo 23 da Lei 14.193/21 estabelece que, enquanto a associação esportiva originária cumprir os pagamentos estipulados pelo Regime Centralizado de Execuções, é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas, por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie sobre as suas receitas.
4. A UTILIZAÇÃO DO REGIME CENTRALIZADO DE EXECUÇÕES POR ASSOCIAÇÕES DESPORTIVAS, QUE NÃO CONSTITUÍRAM SAF PARA GESTÃO DA ATIVIDADE ESPORTIVA ATRELADA AO FUTEBOL.
O Regime Centralizado de Execuções, instituído pela Lei 14.193/21, conforme já mencionado, impede qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas do clube original.
Da mesma forma, enquanto a Sociedade Anônima do Futebol cumprir os pagamentos previstos no artigo 10º da Lei 14.193/21, é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas, com relação às obrigações anteriores à constituição da SAF.
O Regime Centralizado de Execuções tem vantagens substanciais em relação aos Procedimentos de Reunião de Execuções, que vinham sendo admitidos nos diversos Tribunais Regionais do Trabalho do país, tais como aumento do prazo para pagamento, não exigência de cláusula penal e a possibilidade de deságio, como já explicitado anteriormente.
Tal Regime Centralizado de Execuções é um dos grandes incentivos trazidos pela nova Lei, para a constituição de Sociedades Anônimas do Futebol, bem como para atrair novos investidores ao futebol nacional, porquanto impede a sucessão imediata das dívidas para a nova empresa e suspende as execuções das dívidas do clube original, proibindo-se penhoras e bloqueios judiciais.
Tão logo a Lei da SAF entrou em vigor, alguns clubes ingressaram com planos de pagamento a credores, utilizando por analogia o Regime Centralizado de Execuções instituído na nova legislação.
As teses para aplicação do Regime Centralizado de Execuções às associações esportivas, que não haviam se transformado, nem cindido seu departamento de futebol em SAF, inicialmente pareceu, para muitos, uma aventura jurídica distanciada da vontade do legislador.
No entanto, muitos Tribunais Regionais do Trabalho do país acabaram por acolher tais demandas dos clubes, mesmo sem que constituíssem uma Sociedade Anônima do Futebol.
Pouquíssimo tempo depois da entrada em vigor da nova Lei, o Desembargador Sérgio Pinto Martins do TRT da 2ª Região reconheceu a possibilidade de a Associação Portuguesa de Desportos aderir aos prazos do Regime Centralizado de Execução, previstos no artigo 15 da Lei 14.193/21, consoante os seguintes fundamentos:
"Em razão de que o referido dispositivo legal estabelece o prazo de seis anos para o cumprimento do pagamento de credores, o citado artigo 15 é aplicável à situação dos autos, pois a lei nova se aplica aos casos que estão em curso. O prazo de 36 meses previsto na norma deste tribunal ainda não havia transcorrido integralmente. Dessa forma, deve ser aplicado o novo prazo legal.
Nitidamente, o ilustre magistrado entendeu que é possível a utilização dos prazos do Regime Centralizado de Execução por clubes-associações que não tenham constituído SAF, com base nos artigos 10º e 13º da Lei 14.193/2021 que, juntos, estabelecem que “o clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol” e “poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério pelo concurso de credores, por intermédio do Regime Centralizado de Execuções” previsto na nova Lei.
Outros Tribunais Regionais do Trabalho de outras Regiões já exararam decisões semelhantes, em favor de associações desportivas postulantes do benefício do Regime Centralizado de Execuções, mesmo sem a constituição da SAF respectiva.
Para Rodrigo R. Monteiro de Castro, coautor do Projeto de Lei em análise, o “clube” que, conforme o dispositivo do artigo 13 da Lei da SAF, pode se utilizar do regime centralizado de execução (inciso I), ou da recuperação judicial (inciso II) para quitação de suas dívidas é o clube-associação, não propriamente a SAF, que, de sua parte, nasce "limpa", indene das dívidas anteriormente contraídas pelo clube que a tenha constituído.
Segundo Rodrigo R. Monteiro de Castro pretendeu expressamente o legislador, pois, que o clube-associação possa utilizar do regime centralizado de execução, ou mesmo da recuperação judicial, independentemente da constituição da SAF. E desse modo está, indubitavelmente, redigido o texto legal.
Contudo, tais decisões geraram revolta no Relator do Projeto de Lei, Senador Carlos Portinho (PL-RJ), que contestou as decisões da Justiça que autorizaram as associações desportivas em centralizar suas dívidas com base na nova legislação, mesmo sem a transferência do departamento de futebol para uma SAF.
A argumentação do referido Senador é de que a autorização para o Regime Centralizado de Execuções concedida pela nova Lei deve contemplar apenas os clubes que constituírem empresas, para gestão do futebol.
Segundo o Senador Carlos Portinho, "a lei não é tosca. Está escrita no cabeçalho dela: ela é para Sociedades Anônimas do Futebol. Ela tem contrapartidas obrigatórias, a primeira delas é se transformar em uma Sociedade Anônima do Futebol. A lei não foi feita para clubes associação civil"
Na opinião do Relator do Projeto de Lei da SAF, "com relação às dívidas trabalhistas e cíveis, o tribunal do trabalho nunca precisou da lei da SAF para, em mais de dez anos, conceder parcelamentos sem contrapartida nenhuma dos clubes. Postura criticada inclusive pelos credores". Para Portinho "é um erro do judiciário, uma interpretação extensiva onde não há lacuna na lei, nem autoriza sua aplicação para clubes associativos. É um ativismo judicial se aproveitando de uma lei que não lhe presta."
Compactuando do mesmo entendimento, José Francisco C. Manssur e Carlos Eduardo Ambiel afirmam que foi exatamente para evitar que a constituição da SAF resultasse em um "calotaço" - assim entendido o não pagamento dos credores dos clubes - que o legislador criou o RCE, concedendo novos prazos e procedimentos para o pagamento das dívidas, justamente daqueles clubes que decidissem se transformar em sociedade anônima e, assim, fossem capazes de captar novos recursos e gerar receitas para ajudar no pagamento das antigas dívidas.
Esmiuçando o texto legal Manssur e Ambiel explicitam que como o artigo 1º da nova Lei define que "clube" deve ser entendido como associação desportiva, uma primeira leitura do dispositivo passa a impressão de que qualquer clube associativo poderia requerer o RCE sem precisar se transformar em SAF.
Contudo, entendem referidos doutrinadores, que quando se refere a "clube" o artigo 1º da Lei 14.193/2021 claramente indica as entidades desportivas, que se transformarem em SAF, mas que antes eram entidades associativas, contrapondo-se às "pessoas jurídicas originais", que seriam aos clubes transformados em SAF, mas que antes já eram sociedades empresárias. Ou seja, para Mansur e Ambiel, em nenhum momento a Lei da SAF se refere a clube como uma simples entidade de prática desportiva, regida sob a forma de associação, mas sim indicando que a antiga entidade desportiva de deu origem a SAF era uma associação cível ("clube") diferenciando da outra hipótese, que seria a criação de uma SAF a partir de um clube empresa, identificado como "pessoa jurídica original".
O conceito (“clube”), para Mansur e Ambiel, serve para indicar como era a entidade de prática desportiva antes da transformação em SAF. Por isso, para tais estudiosos do Direito Desportivo, não existe a possibilidade de um clube associativo se beneficiar do RCE sem antes constituir uma SAF, pois, para fins da Lei da SAF, um "clube" de futebol é apenas uma entidade que se transformou em SAF e, anteriormente, era uma associação cível. Na visão de Mansur e Ambiel, qualquer outra interpretação da norma desvirtuaria a finalidade da norma.
Para Theotonio Chermont de Britto, “não há como aceitar a tese de que as regras da nova Lei da SAF se aplicam indiscriminadamente a todos os clubes devedores, sem exceção, sob pena de se desvirtuar o seu escopo e premiar contumazes infratores que muitas vezes agiram de má fé com os credores e com os tribunais quando foram beneficiados por diversos e sucessivos planos especiais de execução de suas dívidas.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Marcio Andraus entende que os clubes que não se transformarem em SAF, ou cindirem seu departamento de futebol para tal, não poderão usufruir do benefício do Regime Centralizado de Execuções
Recentemente, em agosto de 2022, a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, através do Provimento CGJT nº 01 de 19 de agosto de 2022 uniformizou a aplicação do Regime Centralizado de Execução (RCE) instituído pela Lei 14.193/2021.
Diante desse regramento a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho estabeleceu que o Regime Centralizado de Execução (RCE) disciplinado pela Lei nº 14.193/2021 destina-se única e exclusivamente às entidades de prática desportiva definidas nos incisos I e II do § 1º do art. 1º da Lei da SAF e que tenham dado origem à constituição de Sociedade Anônima de Futebol na forma do art. 2º, II, da referida Lei.
Parece mesmo que a melhor interpretação do texto legal é a que permite a adoção do Regime Centralizado de Execuções tão-somente para os clubes ou pessoas jurídicas originárias que se transformarem ou constituírem Sociedades Anônimas do Futebol.
Do contrário, a Lei 14.193/2021 não atingirá seu objetivo, de incentivar uma maior profissionalização do futebol, com governança corporativa, controle e transparência, em contrapartida de um tratamento especial dos passivos das entidades de práticas desportivas. Para tanto, é imprescindível que o Regime Centralizado de Execuções seja permitido apenas aos clubes que constituírem uma SAF.
5. INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL PROFISSIONAL FEMININO.
Um louvável e importante avanço trazido pela Lei 14.193/2021 foi a obrigatoriedade das Sociedades Anônimas de Futebol estruturarem o profissionalismo da categoria feminina da modalidade.
O artigo 1º da Lei 14.193/2021 define como Sociedade Anônima do Futebol a companhia cuja atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e masculino, em competição profissional.
Percebe-se que o primeiro artigo da nova Lei exige que a atividade primordial da SAF englobe tanto a categoria feminina, como a masculina, sem discriminação.
O artigo 2º da Lei 14.193/2021 é taxativo no sentido de que se a Sociedade Anônima do Futebol optar em ter como objetivo social o fomento e o desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática do futebol, obrigatoriamente, deverá manter as modalidades feminina e masculina.
Caso o objeto social da SAF envolva a formação de atleta profissional de futebol, da mesma forma, deverão ser abrangidas, obrigatoriamente, as modalidades feminina e masculina.
Tais previsões trazidas com a Lei da SAF podem vir a solucionar uma distorção histórica de não reconhecimento profissional das atletas de futebol feminino, que eram mantidas, na maioria das entidades de práticas desportivas, às margens da legislação trabalhista.
O reflexo imediato dessa estruturação profissional do futebol feminino fomentada pela nova Lei é percebido na expressa e direta obrigatoriedade de celebração de Contrato Especial de Trabalho Desportivo, também, com as atletas mulheres, garantindo-lhes o direito a um vínculo empregatício, bem como a todos os direitos previstos na Lei Pelé ao atleta profissional, na Constituição a todos os empregados e, subsidiariamente, aqueles garantidos pela CLT.
A nova Lei, portanto, não só atende a uma antiga reivindicação das atletas de futebol, como mitiga a discriminação de gênero historicamente enraizada nesse segmento esportivo, fomentando a profissionalização da categoria feminina lado a lado com a masculina e reconhecendo direitos trabalhistas há muito negligenciados às mulheres no âmbito futebolístico.
6. CONCLUSÃO
A Lei 14.193/2021, conhecida como Lei da SAF, veio para ficar.
A nova legislação instituiu um incentivo facultativo aos clubes, em sua maioria associações sem fins econômicos, a se transformarem no todo ou em parte, em Sociedades Anônimas específicas, direcionadas ao exercício econômico do futebol.
Algumas associações esportivas, antes mesmo da promulgação da Lei 14.193/2021, já vinham se organizando e se preparando para a cisão de seu departamento de futebol e a transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol para uma Sociedade Anônima do Futebol constituída para tal fim.
A Lei da SAF pode representar, de fato, um real estímulo às associações esportivas a transformarem o departamento de futebol profissional em Sociedade Anônima, especialmente por trazer um tratamento especial dos passivos do clube originário, permitindo a utilização de um regime centralizado de execuções, para quitação dos débitos pretéritos. Além disso, a nova legislação prevê mecanismos de blindagem sucessória da nova companhia e de seus administradores, o que incentiva e tranquiliza investidores nacionais e estrangeiros a adquirirem o controle acionário ou parte das ações desse novo tipo societário.
Por ser uma norma muito recente a Lei 14.193/2021, certamente, ainda gerará muitas controvérsias trabalhistas, especialmente no que tange à sucessão de empregadores, à responsabilidade pessoal e solidária dos administradores, à utilização do regime centralizado de execuções e à profissionalização do futebol feminino.
Muitas teses jurídicas ainda surgirão desse novo regramento legal, bem como interpretações polêmicas e controversas poderão advir do judiciário trabalhista, diante da quantidade de matérias trabalhistas abrangidas pela Lei da SAF.
A Lei 14.193/2021, portanto, está sendo vista por muitos como um novo oceano de inovações, desafios e avanços jurídicos na esfera trabalhista desportiva. Contudo, para outros, a nova legislação já vem demonstrando ser um caminho nebuloso e esburacado, com numerosas controvérsias, omissões e incertezas.
Criando e regulamentando o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), trazendo meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico, a Lei 14.193/2021 tem tudo para, de fato, promover uma real profissionalização não só de alguns clubes, mas do ecossistema futebolístico nacional como um todo.
Basta, para tanto, que os mecanismos previstos na Lei sejam utilizados corretamente, não só pelas entidades desportivas originárias, como pelas novas Sociedades Anônimas do Futebol que serão constituídas, possibilitando a formação de um ambiente de boas práticas de governança, controle e transparência, que atrairá mais investimentos, mais patrocínios, mais negócios ao futebol nacional, gerando, por consequência, mais empregos, melhores salários, maior formação de atletas, desenvolvimento educacional por meio do futebol e fomento à profissionalização da categoria feminina.
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